Pluto

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Poema para todos

Ei ei!
Boa notícia; agora estou com internet no quarto! Bom, antes eu usava o pc da minha irmã, por isso as postagens acabavam ficando meio dispersas e separadas.

Para começar bem o final de semana (amanhã é sexta, sempre tem um sentido místico nesse dia), queria colocar aqui um poema, coisa que nunca fiz aqui no blog.

Eu estava em Petrópolis no feriado, e resolvi futucar nos livros que minha mãe deixou pra trás quando veio embora. Um é de poemas brasileiros que foram traduzidos por inglês, muito legal. O outro é uma antologia do Carlos Drummond de Andrade, e apesar de nunca ter conhecido muita coisa dele, sempre gostei do que ele escreveu.

Na primeira página que abri, li o seguinte poema, que achei fantástico e quis postar para vocês.

Espero que gostem.



Nudez - Carlos Drummond de Andrade

Não cantarei amores que não tenho,
e, quando tive, nunca celebrei.
Não cantarei o riso que não rira
e que, se risse, ofertaria aos pobres.
Minha matéria é o nada.
Jamais ousei cantar algo de vida:
se o canto sai da boca ensimesmada,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
nem sabe a planta e o vento que a visita.

Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,
mas tão disperso, e vago, tão estranho,
que, se regressa a mim que o apascentava,
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,
e o que não é maleável deixa de ser nobre,
nem era amor aquilo que se amava.

Nem era dor aquilo que se doía:
ou dói, agora, quando já se foi?
Que dor se sabe dor, e não se extingue?
(Não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio, nesta concha.)
Que sentimento vive, e já prospera
cavando em nós a terra necessária
para se sepultar à moda austera
de quem vive a sua morte?
Não cantarei o morto; é o próprio canto.

Eu já não sei do espanto,
da úmida assombração que vem do norte
e vai do sul, e quatro, aos quatro ventos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.
Não canto, pois não sei, e toda sílaba
acaso reunida
a sua irmã, em serpes irritadas vejo as duas.

Amador de serpentes, minha vida
passarei, sobre a relva debruçado,
a ver a linha curva que se estende.
ou se contrai e atrai, além da pobre
área de luz de nossa geometria.
Estanho, estanho e cobre,
tais meus pecados, quanto mais fugi
do que enfim capturei, não mais visando
aos alvos imortais.

Ó descobrimento retardado
pela força de ver.
Ó encontro de mim, no meu silêncio,
configurado, repleto, numa casta
expressão de temor que se despede.

O golfo mais dourado me circunda
com apenas cerrar-se uma janela.
E já não brinco a luz. E dou notícia
estrita do que dorme,
sob placa de estanho, sonho informe.
um lembrar de raízes, ainda menos
um calar de serenos
desidratados, sublimes ossuários
sem ossos;
a morte sem os mortos; a perfeita
anulação do tempo em tempos vários,
essa nudez, enfim, além dos corpos,
a modelar campinas no vazio
da alma, que é apenas alma, e se dissolve.

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